27 abril 2012
Na rotunda, virar à esquerda
Dia 1
Ligar o computador.
"Escrever sobre a revolução. Aparentemente, destinado a tal projecto porque ninguém percebe muito bem como é que a coisa aconteceu e a minha sorte na lotaria sempre foi uma merda.
La fora chove e faz frio. Estamos em Dezembro, portanto algo de natural. A janela aberta deixa cair cá dentro os sons da rua, os gritos de “o povo está connosco”, e os gritos do povo que não está connosco e o afirma assim. Contra-revolução pacifica e não aceite. Quem sabe melhor desfila pela rua abaixo, armas em punho para determinar essa certeza. O povo que não está connosco cala-se e volta para dentro de casa, ou do café. É melhor assim. Afinal chove e faz frio, o sistema de saúde fechou e ninguém gosta de ficar molhado. Mais vale beber um cafezinho, silenciosamente ficar-se na sua.
Na mesa, o computador espera pelas palavras mais certas. Companhia por companhia, prefiro a garrafa de moscatel. Faz muito mais sentido o que me tem para dizer."
Dia 2
Desligar o computador.
Dia 3
O que raio é que me passou pela cabeça? Uma hora perdida a olhar para o nada, depois outra e mais outra e assim desfila o dia. Era suposto não ser assim. Três meses perdidos num limbo em que a única coisa que escrevi serve para mostrar que um gajo nao se deve despedir do trabalho só porque encontrou uma miúda no bar que lhe disse que tinha perfil de Hemmingway. E que escrevia muito bem. Merda! Merda para o ego e mais para a miúda. Que bazou, diga-se de passagem. Três dias atrás, fartou-se. É claro que o vizinho de cima e os seus abdominais tiveram alguma participação no processo, mas a desculpa que levei na tromba teve mais a ver com ter que se encontrar. Algo desse género.
Dia 6
Bem, o escritor em mim acabou por morrer. Enfim, falta de haver musa. Voltar ao trabalho era bom, mas também não vai acontecer.
Bem, foram uns bons dias estes últimos meses. Aos 32, a caminho dos 45 e uma casa na cidade, dois filhos e meio e a proverbial esposa. Nada disso. Gostava de os ver agora, o pessoal que gastou este tempo entre uma casa mal paga e um trabalho que paga mal e me contava que, isso sim, era um desporto útil. Mais que brincar a juvenil inconsequente.
Bem, em minha defesa, juvenil inconsequente sim, mas bem disposto. E com a miúda que gostava de Hemingway. Deve contar para alguma coisa.Principalmente nestes dias.
Afinal, como melhor seriam gastos estes últimos dias nesta terra?
Compor a camisa. Ouço passos no corredor e devem ser eles. O vizinho de cima e a miúda que gostava de Hemingway. Será que ainda gosta, desde que foi mordida? Imagino-a assim, a explicar o velho e o mar ao gajo dos abdominais, enquanto me mastigam. Talvez com nostalgia, quem sabe? Que isto de ser zombie tem mais que se diga. E nunca ninguém disse que um morto-vivo tinha que ser obrigatoriamente iletrado.
Compor a camisa. Ser prato de jantar sim, mas gourmet...
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Poucos são os sortudos que podem viver de escrever.
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